O texto abaixo tem a autoria de Max Gehringer (publicado na Revista Você S.A. 2005)
“Carma é uma palavrinha muito reverenciada (por uns poucos especialistas) e razoavelmente mal interpretada pelos leigos em geral – inclusive eu, que sempre a utilizei como sinônimo de “destino”.
Quando eu encontrava alguém pegajoso, que não largava do meu pé e passava o dia inteiro me azucrinando, eu dizia: “Fulano é o meu carma”. Quer dizer, em minha percepção, um poder superior e sobrenatural havia decidido que eu deveria pagar por algo que não fiz.
É a sutil diferença que está nessa última frase “pagar por algo que não fiz”. Carma significa exatamente o contrário: “colher por algo que fez”. Em sua distante origem – no sânscrito, uma língua ancestral já extinta, carma queria dizer “ação”. Ou, por extenso, “tudo o que nos acontece é o resultado de algo que fizemos”. O nosso carma, então, não é um aleatório jogo de sorte e azar, é uma simples questão de causa e efeito. Tudo o que está acontecendo agora é o resultado direto de decisões que tomamos no passado, mesmo que não nos lembremos delas, ou que, na época, as tenhamos considerado irrelevantes.
Faz um mês que vivi uma situação profissional bem próxima dessa verdade, com um ex-colega de trabalho. Um dia, ele e eu fizemos parte de um grupo que trabalhava em uma mesma empresa, nós éramos muito unidos. Mas, com o tempo e a ciranda-cirandinha do mercado de trabalho, o grupo se dissolveu: cada um de seus membros foi pegando o boné e partindo para outra. E esse ex-colega, mais afortunado ou mais competente, conseguiu uma posição fantástica, bem superior à dos demais. Resultado: o privilegiado decidiu, talvez inconscientemente, perder o contato conosco. Sua temporária situação de conforto o convenceu de que nós precisávamos dele, mais do que ele de nós. Daí, o dito não respondia às mensagens que mandávamos e sua assistente sempre dizia que ele estava viajando quando ligávamos.
Mas o tempo passou, e ele ficou desempregado. E qual foi a primeira coisa que fez? Entrou em contato com os amigos do peito. E, claro, ninguém respondeu. Um dia, nosso ex-colega, ao encontrar casualmente outro ex-colega, reclamou, amargurado: “Pois é, na hora em que a gente mais precisa dos amigos, eles simplesmente desaparecem”.
Em sua opinião, ele havia sido vitimado pelo carma de ter confiado em falsos amigos. Na opinião dos demais, ele estava colhendo o carma que havia semeado. E quem é que estava certo? Ninguém. Ao recusarmos estender a mão, nós também estávamos tomando uma decisão que teria más conseqüências futuras, mas todos preferimos optar pela inútil vingança momentânea ao perdão e à generosidade. Felizmente, um dos colegas conseguiu convencer os demais a esquecer os rancores e tentar ajudar o ex-desgarrado, e todos pudemos dormir em paz com nossas consciências.
No Balanço Pessoal da maioria das pessoas, carma é “como alguém pode me ajudar”. Ou seja, seriam créditos contabilizados na coluna “Recebimentos de Curto Prazo”. Na verdade, carma é “como eu posso ajudar alguém”, e é lançado em “Investimentos de Longo Prazo”. Uma contabilidade, como se percebe todos os dias, fácil de entender, mas difícil de praticar.”
Comentários de um monge:
Sr. Max, agradeço pelo texto sobre o Carma. Achei ótima a abordagem. Até mesmo peço permissão para citá-Ia em nossa Revista Budista Lótus.
O artigo, pelo fato de não ter sido escrito por um monge, mas por alguém que incorporou o monge, se valoriza sobremaneira. Transmite muito bem a visão budista. Nos templos e em palestras que ministro já mencionei várias vezes sobre o erro de conotação dada ao termo, que aliás já vem do próprio Japão. Existem duas classificações de carma: Positivo e negativo. No caso, a maioria quando faz o uso da palavra carma, se refere ao negativo.
Como monge, farei alguns acréscimos e considerações para valorizar o conteúdo. O Carma não fala em estender a mão, simplesmente armazena e classifica-o como positivo ou negativo. O que fala sobre estender a mão é a filosofia e ensinamento que vem logo após a afirmação da existência do carma, a Lei da Interdependência. Justamente pelo fato de existir a lei da interdependência é que se justifica o fato de estendermos a mão uns aos outros. Ou seja, se fosse só carma, seria cada um na sua e tudo bem. O carma diz que: Ninguém colhe as conseqüências de outrem. Em outras palavras, eu não posso sacar da sua conta, mas você também não pode me passar suas dívidas. Porém, apenas com esse esclarecimento parcial não se atinge a iluminação.
Justamente por isso Buda não parou por aí, avançou e lançou a máxima da sua pregação e esclarecimento como sendo a “Lei da interdependência”; é aqui que entra a parte do perdoar, do amor ao próximo e momento em que os amigos resolvem esquecer as mágoas, tal como da citação empresarial de vossa autoria. O Sr. somente não especificou o nome dessa lei descoberta por Buda, mas em sua conclusão foi extremamente feliz em colocá-Ia como investimentos a longo prazo (ficam a longo prazo somente porque normalmente gastamos mais do que ganhamos, caso contrário teríamos retornos imediatos).
A linhagem do Budismo Primordial HBS, objetiva transformar todos estes investimentos lançados negativamente, em resultados positivos, transformando até mesmo os erros de lançamentos e saques desnecessários por motivos mais desnecessários ainda, em plenos investimentos, com retornos tão seguros quanto o nascer do sol a cada dia. A “moeda” de câmbio se chama fé. É válido lembrar que, enquanto o “resultado positivo” for meramente individual, estará sempre ameaçado por tormentas e não terá descanso. “Multiplicar aos seres” é o cálculo cósmico e investimento mais seguro do universo. Esta é a lei da interdependência. Buda pregou: Você existe porque eu existo. Eu existo porque você existe.
Agradeço também ao Sr. Fernando Fabrício que cordialmente nos enviou vosso texto.
Bispo Superior Nitiyu Correia
Fonte: Revista Lotus. Edição 68 página 01