Esta é uma adaptação do conto publicado em “The Cape Times”, 14 de junho de 1982, Cidade do Cabo, África do Sul. Foi escrito pelo Dr. Christian Barnard, o médico que realizou o primeiro transplante cardíaco em 1967, num hospital na Cidade do Cabo. Ele conta que:
Certa vez um velho lenhador me explicava como abater uma árvore. “Precisamos planejar onde ela vai cair, para saber onde vamos começar a cortar. Ela cairá para o lado que tiver menos apoio.” Disse ele. Eu estava um pouco preocupado em relação a isso, pois se ele errasse, de um lado destruiria uma cabana e do outro lado destruiria uma garagem. Fiz um risco no chão para garantir que o planejamento fosse correto. Analisando a grande árvore, o velho lenhador começou a cortar e não haviam serras elétricas ou coisas do tipo. Todo o trabalho era braçal, mas cada golpe de machado carregava toda a sua perícia e vigor. Finalmente a árvore veio ao chão, exatamente onde havíamos planejado, sem nenhum galho sequer encostar nas construções próximas. Fiquei espantado com tamanha exatidão, parabenizei o habilidoso lenhador, mas ele não se entusiasmou com meu elogio.
Ao final da tarde, a grande árvore já havia sido dividida em pequenas toras para virar lenha. Eu disse ao lenhador que jamais esqueceria sua lição sobre cortar árvores e sua habilidade, então ele pôs o machado sobre os ombros e disse “A gente teve sorte, porque não havia vento. Temos que ter muito cuidado com o vento.”
Só anos mais tarde, quando me entregaram um relatório post mortem de um paciente de transplante cardíaco, é que eu pude entender as palavras do lenhador.
A cirurgia foi um sucesso, tudo saiu conforme o planejado, estávamos satisfeitos mas, de repente o paciente começou a piorar e morreu. Segundo o relatório, uma infecção originada em um pequeno ferimento na perna foi a causadora do colapso total dos pulmões. Imediatamente as palavras do velho lenhador vieram à minha mente. Uma coisa de nada, um detalhe ínfimo, acabou com tudo o que havíamos planejado.
“É preciso ter muito cuidado com o vento.”
O velho e seu machado me deixaram uma grande lição. Quando todo mundo se sente satisfeito consigo mesmo, quando todos estão relaxados quanto ao próprio trabalho, quando tudo dá certo, eu olho fixamente no espelho e digo a mim mesmo: Desta vez tivemos sorte, não havia vento.
No budismo, aprendemos que cada detalhe, por menor que seja, tem sua importância. A harmonia dos detalhes faz com que tudo esteja bem, porém um ponto em desarmonia pode estragar tudo. A desarmonia da nossa mente, a desarmonia do nosso coração e a desarmonia que vem de fora, tudo isso são ventos que podem destruir algo bom.
Nosso cuidado e lapidação devem ser constantes, não podemos relaxar ou negligenciar. Para que nenhum vento estrague nossos planos, precisamos ter virtude. Para que nenhum detalhe seja negligenciado, precisamos ter sabedoria. Tanto a virtude quanto a sabedoria, nós retiramos da própria iluminação do Buda, incorporada no Mantra Sagrado NAMUMYOUHOURENGUEKYOU. Entoar esta oração é ter cuidado com o vento, o vento da mente, o vento do coração ou o vento que vem de fora.
Os ensinamentos nos protegem contra os ventos e a meditação ativa (entoação do NAMUMYOUHOURENGUEKYOU) acalmam os ventos. Ser sábio é saber que a boa sorte, o fato de não haver vento, é na verdade a nossa constante lapidação, cuidado e humildade.
“Não há sábio que ache inteligente. Quem se acha é tolo. No caminho de qualquer arte, se achar que já está bom, pára de progredir. O treinamento verdadeiro segue até o último momento da vida.”
(Nyoshikan sanishou – Nissen Shounin)
Fonte: adaptado de Revista |Lótus nº35, pág 23-24